Justiça derruba licença de Belo Sun

O Ministério Público Federal (MPF) publicou na tarde da última sexta feira (10) uma Recomendação para que a Estrada de Ferro 170, a “Ferrogrão”, respeite o direito à consulta e consentimento livre, prévio e informado das comunidades indígenas e povos tradicionais impactados pela obra, reiterando assim reivindicação dos índios. O projeto conecta a região produtora de grãos de Mato Grosso com portos de exportação na região Norte, no município de Miritituba (PA). Tanto a construção quanto o funcionamento da ferrovia impactarão a dinâmica socioambiental das áreas protegidas existentes no seu trajeto.

Recomendação foi enviada para a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que havia marcado uma série de audiências públicas sobre a concessão da Ferrogrão, previstas para as próximas semanas. No texto, o MPF pede o cancelamento das audiências e alerta que o avanço no processo de concessão da ferrovia sem a consulta prévia é ilegal.

O MPF reitera que a consulta deve ser feita aos 19 povos indígenas localizados na área de influência da ferrovia reconhecida nos estudos técnicos de viabilidade, além de ribeirinhos, agroextrativistas e outras comunidades tradicionais sujeitas a impactos. O pedido faz coro à exigência dos Kayapó, que protocolaram na ANTT uma carta no dia 9 de novembro exigindo a realização da consulta, por conta do início do processo de concessão.

Sem consulta

Diante da pressão que o empreendimento vem causando na região, o Instituto Kabu, que representa Kayapó das Terras Indígenas Baú e Mekragnoti, já havia enviado em maio uma carta ao Ministério dos Transportes pedindo que fosse realizado o processo de consulta livre, prévia e informada. O Ministério, contudo, negou dizendo que “o traçado proposto para a implantação da ferrovia está a uma distância superior à que poderia causar impacto socioambiental direto na Terra Indígena”.

A distância apontada pela Portaria nº 60/2015, à qual o Ministério se refere, pressupõe a existência de impactos em TIs localizadas num raio de 10 quilômetros no entorno do empreendimento.
Os estudos técnicos da Ferrogrão apontam que “as culturas indígenas e tradicionais podem sofrer um processo de desestruturação” por conta da construção da ferrovia. Ainda assim, a participação dos povos indígenas afetados não foi devidamente considerada. 

Em sua recente Recomendação, o MPF alerta para a interpretação equivocada da Portaria pois de forma alguma se exclui a possibilidade de reconhecer impactos socioambientais além das distâncias nela pré-estabelecidas. Na Recomendação, o MPF reitera que a mencionada Portaria “em hipótese nenhuma, exclui a realização de estudos para definir áreas afetadas que estejam a uma distância maior e, ainda, a participação efetiva das próprias comunidades para que, a partir de suas próprias percepções, sinalizem a ocorrência de impacto”.

Há duas semanas a ANTT marcou audiências públicas em Belém, Cuiabá e Brasília para discutir edital de concessão da ferrovia. Nenhuma das audiências convocadas seria realizada na região de instalação da obra.

“Não adianta tentar tirar o atraso no cronograma de concessões do governo federal passando por cima de direitos fundamentais de povos indígenas e tradicionais”, adverte Biviany Rojas, advogada do ISA. “Obras da envergadura da Ferrogrão precisam de tempo e participação da sociedade civil e dos povos diretamente afetados, isso deve constar em seus cronogramas e orçamentos”.

Ameaça para o Xingu e Tapajós

A implantação do empreendimento deve acirrar conflitos já instalados na região há anos, aumentando o desmatamento e a ocupação agropecuária local. Mesmo no papel, a ferrovia provocou um movimento legislativo para a desafetação e recategorização das UCs ao longo da BR-163.

Embora não tenha sido licitada nem licenciada, o governo federal liderou o processo de recategorização e desafetação das Unidades de Conservação (UCs) vizinhas das TIs Baú, Mekragnoti e Panará, com a justificativa de implementar a estrada de ferro e de resolver os conflitos fundiários da região.

Isso foi feito mediante a edição das Medidas Provisórias (MPs) 756 e 758, que terminaram com o veto total da primeira e com a desafetação de 862 hectares do Parque Nacional Jamanxim, previstos na segunda MP (saiba mais). A redução de Unidades de Conservação usando Medidas Provisórias é inconstitucional e deverá ser contestada judicialmente, sujeitando o empreendimento à insegurança jurídica desde sua gênese.

“Todos sabem a situação terrível que enfrentamos na região com a presença de grileiros, garimpeiros e madeireiros que invadem as Terras Indígenas e as Unidades de Conservação. O recado repassado com a aprovação das medidas provisórias é de que as atividades ilegais podem ser anistiadas e regularizadas”, alertam os Kayapó na carta dirigida à ANTT.

Mais grãos, menos direitos

Em Nota Técnica o Ministério dos Transportes aponta que a implantação da ferrovia apresenta um potencial de demanda de 12,9 milhões de toneladas de grãos, o que deve aumentar até alcançar 42,3 milhões de toneladas em 2050.

Com a iniciativa de um novo empreendimento paralelo à rodovia BR-163, indígenas e parceiros tinham a expectativa de que investimentos em medidas de prevenção e mitigação fossem feitos para evitar os impactos cumulativos e sinérgicos previstos. Isso, no entanto, não aconteceu. “O que está em andamento são tentativas de reduzir a proteção em cinco Unidades de Conservação ao longo do traçado da Ferrogrão, o que pode resultar na desproteção de mais de um milhão de hectares de florestas, além de iniciativas para regularizar terras invadidas em favor de grileiros e desmatadores”, comenta Ciro Campos, assessor do ISA.

A Ferrogrão faz parte da carteira de projetos priorizados pelo governo federal no Programa de Parcerias de Investimento (PPI), e acumula impactos sinérgicos com o asfaltamento da BR-163, paralela à ferrovia e com os terminais portuários de Miritituba.

Estamos de olho!

A Ferrogrão está entre as obras que acompanhamos diariamente no Observatório Xingu. Veja aqui a ficha do empreendimento e aqui o mapa. 

 

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