O Projeto Volta Grande de mineração, da mineradora canadense Belo Sun Mining Ltda., tem como objetivo tornar-se a maior mina de exploração de ouro a céu aberto do país. Entre as diversas questões problemáticas do projeto, a magnitude dos seus impactos (vídeo) ocorrerá na mesma região recém-impactada pela construção da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte, e que se encontra em fase de monitoramento ao menos até 2025, devido às instabilidades em termos de impactos ambientais que a usina vem causando. Assim, ao mesmo tempo que Belo Monte representa um elemento que torna a exploração do Projeto Volta Grande ambientalmente muito arriscado, Belo Sun também representa um novo elemento a ser considerado por Belo Monte nos cálculos de projeções de impactos sobre o ambiente e as comunidades da região.
O empreendimento fica no município de Senador José Porfírio (PA), a menos de 50 km da barragem principal da UHE Belo Monte e a menos de 9,5 km da Terra Indígena (TI) Paquiçamba. A empresa Belo Sun anunciou em seu site que durante os 11 anos de funcionamento sejam retiradas 39,767 megatoneladas de rocha, contudo, os estudos apresentados no licenciamento ambiental só prevêem a remoção de 2,78 megatoneladas.
Segundo os estudos da mineradora, o projeto de extração e beneficiamento de minério de ouro contará com investimento de aproximadamente US$ 1.076.724.000,00. Já para a instalação do empreendimento, os custos são de US$ 380.077.000,00.
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Impactos Socioambientais
O Projeto de Mineração Volta Grande do Xingu prevê o uso de cianeto no manejo dos minérios - substância extremamente tóxica para o solo e para os corpos hídricos - e os estudos ambientais do empreendimento prevêem o risco de rompimento da barragem durante as fases de operação e fechamento como Risco Alto.
Entre os impactos, destacam-se a alteração no ciclo reprodutivo da fauna, alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, contaminação ou intoxicação por substâncias nocivas, desmatamento e/ou queimada, falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, poluição de recurso hídrico, poluição do solo.
Veja vídeo sobre os impactos e violações de Belo Sun aqui
Histórico e momento atual
Em 2012, Belo Sun apresentou o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (RIMA), porém, em 2013 o Ministério Pùblico Federal (MPF) moveu uma Ação Civil Pública (ACP), na Justiça Federal de Altamira, que exigia a realização dos Estudos do Componente Indígena (ECI), para que fossem detectados os impactos que ocorrerão sobre as comunidades indígenas com a instalação do empreendimento. Não tendo sido apresentado o ECI, a Licença Prévia (LP) foi suspensa por sentença judicial em 2014.
Em fevereiro de 2017, a mineradora conseguiu a Licença de Instalação (LI), mas, logo em abril do mesmo ano, essa licença foi suspensa na justiça, pois o Estudo do Componente Indígena (ECI) foi considerado inapto pela Fundação Nacional do Índio (Funai), pelo que precisa ser refeito. Já em dezembro do mesmo ano, O TRF-1 confirmou a suspensão da LI, porque a empresa não fez a Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI) às comunidades indígenas afetadas pelo empreendimento. Nesta decisão, o TRF-1 ordenou que a CLPI seja feita respeitando os protocolos de consulta dos povos indígenas afetados.
Conforme o Ministério Público Federal (MPF), "A mineradora e o estado do Pará recorreram diversas vezes contra a obrigação de realizar os estudos e também contra a consulta prévia, mas perderam todos os recursos. Contra a decisão de hoje [6 de dezembro de 2017], só cabe recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF). Para que o licenciamento seja retomado, terá que ser feita a consulta prévia, livre e informada".
Já entre janeiro e fevereiro de 2018, em pleno inverno amazônico, o sistema de monitoramento por radar do ISA, o SiradX, detectou que mais de 6,2 mil hectares de florestas foram destruídos para dar lugar à produção agropecuária e garimpo ilegal na bacia do Rio Xingu. Entre as Terras Indígenas (TIs) mais desmatadas está Ituna/Itata, território de indígenas isolados, onde a degradação aumentou exponencialmente desde a construção de Belo Monte e agora o projeto de Belo Sun está buscando se instalar logo ao norte da TI.
Em maio de 2018, a Conectas Direitos Humanos denunciou Belo Sun à Organização das Nações Unidas (ONU), devido às ameaças e agressões que têm sido incitadas ou cometidas diretamente por servidores da prefeitura de Senador José Porfírio e seus aliados contra os integrantes do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, um coletivo que atua na defesa de direitos humanos e ambientais na região da Volta Grande do Xingu, e da Cooperativa Mista dos Garimpeiros da Ressaca, Galo, Ouro Verde e Ilha da Fazenda, que atua na organização e defesa dos interesses de trabalhadores do garimpo artesanal na região da Volta Grande do Xingu.
Em setembro de 2018, o juiz federal de Altamira suspendeu todas as atividades do empreendimento até que o processo de licenciamento seja regularizado em instância federal, ou seja, feito pelo Ibama.
Em agosto de 2019, o Ministério Público Estadual do Pará impetrou uma Ação Civil Pública Ambiental requerendo a federalização do processo de licenciamento ambiental da obra bem como o cancelamento de todas as licenças já emitidas pela SEMAS/PA.
Em novembro de 2019, o Tribunal de Justiça do Estado do Pará suspendeu os efeitos da Licença de Instalação (LI) do projeto minerário, concedida no processo que tramita na Secretaria do Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado do Pará (SEMAS), até o efetivo cumprimento das condicionantes 29 e 30, as quais exigem que as famílias sob a área de influência indireta do projeto Volta Grande sejam devidamente reassentadas e que a mineradora apresente relatórios periódicos sobre o status do processo de remanejamento das populações tradicionais afetadas
Ao longo de 2019, a empresa JGP, contratada pela Belo Sun, realizou os estudos de impacto do componente indígena após aprovação do Termo de Referência pela FUNAI. Os três EIA-CIs - TI Paquiçamba, TI Arara da Volta Grande e TI Ituna Itatá - foram protocolados na FUNAI no início de 2020 e pendem de avaliação pelo órgão indigenista. Diversos estudos e informações solicitadas pelos indígenas Juruna em reuniões com JGP não foram realizados e não constam na versão final do EIA-CI protocolada na FUNAI.
Em outubro de 2019 e fevereiro de 2020 comunidades indígenas da Volta Grande não aldeadas solicitaram consulta livre, prévia e informada em respeito à Convenção 169 da OIT, ainda sem resposta da FUNAI e da empresa Belo Sun - Carta Jericoá, Carta São Francisco e Carta Iawá Gleba Paquiçamba,
Em junho de 2020 foram protocolados na FUNAI e na SEMAS três ofícios com relatórios científicos de pesquisadores independentes apontando lacunas nos estudos do componente indígenas (EIA-CI) e falhas metodológicas que comprometem a análise de viabilidade do empreendimento - o primeiro sobre lacunas da pesca e quelônios; o segundo sobre aspectos de segurança da barragem e o terceiro com aspectos geológicos que também implicam em segurança da barragem, da AIDA. Os três ofícios requerem estudos complementares sem os quais resta comprometida a análise de mérito do componente indígena pela FUNAI.
Na última semana de julho de 2020, a Funai publicou a Informação Técnica nº 63/2020 da Coordenação Geral de Licenciamento Ambiental/CGLIC, que analisou o Componente Indígena do Estudo de Impacto Ambiental de Belo Sun. No documento, a Funai concluiu ser necessária uma reavaliação do estudo sob perspectiva mais ampla, por se tratar de um projeto de grande porte que precisa levar em consideração o contexto local, regional e nacional, além da sinergia de impactos, especialmente com a BR-230 e a UHE Belo Monte.
O órgão indigenista acolheu as preocupações dos indígenas e pontos apresentados nos relatórios científicos independentes, demandando da Belo Sun, por exemplo, fazer um completo detalhamento do Plano de Fechamento de Mina, aspecto não apresentado devidamente no EIA. A Funai solicita, dentre outros, esclarecimentos sobre captação de água para o empreendimento, sobre possibilidade da contaminação do arsênio das pilhas de estéril. Por fim, conclui que o relatório ainda não está considerado apto a ser apresentado aos indígenas das TIs Arara da Volta Grande do Xingu e Paquiçamba pela necessidade de complementações aos estudos.
Em agosto de 2020, com base no relatório científico produzido pela AIDA, a Defensoria Publica do Pará ajuizou uma Ação Civil Pública em face da SEMAS-PA e Belo Sun, requerendo a suspensão do licenciamento e a nulidade do EIA-RIMA e todos os atos subsequentes no processo pela violação do direito ao território tradicional (posse e propriedade) dos povos ribeirinhos da Volta Grande e do direito de consulta livre, prévia e informada assegurada na Convenção n. 169 da OIT a esses povos.
Em 20 de novembro de 2020, a Funai emitiu a Informação Técnica 270/2020 alegando que os estudos do componente indígena estavam aptos a serem apresentados aos indígenas. Segundo o órgão indigenista, as complementações solicitadas na IT 63/2020 pelo corpo técnico da própria FUNAI poderiam ser detalhadas na revisão do CI-EIA “após a apresentação do relatório aos indígenas e após sua deliberação quanto à aprovação do relatório, juntamente com as eventuais complementações solicitadas pelos indígenas.”
Em 26 de fevereiro de 2020, a Funai encaminhou ofício para SEMAS e Belo Sun com seu "Protocolo de Segurança para Atividades com Comunidades Indígenas Durante a Pandemia de Coronavírus - Covid-19" que deve ser observado em apresentações presenciais ou por vídeoconferência, tendo em vista a demanda da empresa em realizar reuniões de apresentação do CI-EIA. Neste ofício, a Funai abriu a possibilidade para a Belo Sun escolher e informar “se pretende realizar a apresentação do CI-EIA aos indígenas de forma presencial ou por vídeo conferência. Após reposta, em ambos os casos iremos solicitar à Coordenação Regional do Centro-Leste do Pará que consulte os indígenas quanto a concordância com o modelo proposto, e quanto à viabilidade técnica (sinal de internet etc) em caso de apresentação por vídeo conferência.”
Diante disso, em dezembro de 2020, os Juruna da TI Paquiçamba encaminharam carta à FUNAI, MPF e TRF-1 afirmando que só aceitam reuniões de consulta que forem presenciais, respeitando seu protocolo de consulta e apenas após todos os indígenas serem vacinados.
Em 05 de janeiro de 2021, os Mẽbengôkre-Xikrin da Terra Indígena Trincheira-Bacajá, por meio da Associação Bebô Xikrin do Bacajá escreveram carta à Funai solicitando a inclusão deles no processo de licenciamento do projeto de mineração Belo Sun de acordo com o direito à consulta livre, prévia e informada da Convenção 169 da OIT.
A FUNAI respondeu, por meio do OFÍCIO Nº 50/2021/CGLIC/DPDS/FUNAI, em 18 de janeiro de 2021, que de acordo com a Portaria Interministerial nº 60/15, há presunção de impactos e aplicação do componente indígena do licenciamento ambiental de empreendimentos minerários na Amazônia legal que estiverem a até 10 km de terras indígenas (Anexo I da Portaria nº 60/15) e a Terra Indígena Trincheira Bacajá se encontra a uma distância de aproximadamente 39 km do Projeto Volta Grande. A FUNAI alegou, assim, que não há previsão para a inclusão desta terra indígena no licenciamento ambiental do empreendimento pois não há presunção de impactos do projeto à Terra Indígena Trincheira Bacajá.
Em 18 de janeiro de 2021, foi protocolado o quarto parecer técnico independente, por meio do Ofício conjunto 38/2021 da Rede Xingu+ e do Movimento Xingu Vivo para Sempre que encaminhou informações sobre questões relativas à qualidade d’água e risco de contaminação em drenagens impactadas pelo Projeto de Ouro Volta Grande, analisadas no âmbito do EIA-CI sob parecer técnico dos pesquisadores Marcelo Camargo, MSc., Ingo Wahnfried, PhD e André Sawakuchi, PhD.
Em 10 de fevereiro de 2021, a FUNAI emitiu a Informação Técnica nº 7/2021/COTRAM/CGLIC/DPDS-FUNAI que analisou o Protocolo de Segurança para Realização de Reuniões, apresentado pela Belo Sun à FUNAI, para a suposta “validação dos Estudos do Componente Indígena dos Estudos de Impacto Ambiental do Projeto Volta Grande”.
Diante das violações ao Protocolo de Consulta Juruna e levando em consideração a gravidade da pandemia de COVID-19, a DPU expediu a Recomendação - Nº 4302188, em 09 de março, recomendando que a FUNAI rejeitasse e/ou suspendesse os efeitos da Informação Técnica nº 7/2021 para se abster de autorizar, promover, articular e/ou participar de reuniões para a apresentação e discussão dos Estudos do Componente Indígena dos Estudos de Impacto Ambiental e que, após restabelecidas as condições de segurança sanitária, adote todas as medidas necessárias para que sejam observadas as regras da consulta livre, prévia e informada.
Em 12 de março de 2021, a SESAI encaminhou OFÍCIO Nº 145/2021/SESAI/NUJUR/SESAI/MS à Funai solicitando que não sejam realizadas reuniões com os indígenas de acordo com a recomendação da DPU.
Em 19 de março de 2021 a procuradoria da Funai expediu a NOTA JURÍDICA n. 00004/2021/MCCF-PFE/PFE-FUNAI/PGF/AGU à presidência da Funai solicitando a suspensão de procedimentos de competência da FUNAI junto a povos indígenas, em face da pandemia de COVID 19.
Em outubro de 2021, foram realizadas reuniões nas Terras Indígenas Paquiçamba e Arara da Volta Grande do Xingu com FUNAI, JGP e Belo Sun para a apresentação e deliberação quanto à aprovação por parte dos indígenas do Componente Indígena dos Estudos de Impacto Ambiental (CI-EIA) do Projeto Volta Grande para as Terras Indígenas Arara da Volta Grande do Xingu e Paquiçamba, sendo os EIA-CIs aprovados.
Em 01 de dezembro de 2021, por meio do Ofício 93 à Belo Sun, IPHAN e SEMAS, a FUNAI aprovou o relatório do EIA-CI e informou, assim, a sua anuência para a emissão da Licença Prévia do empreendimento.
Em fevereiro de 2022, a Procuradoria da Republica peticionou na ACP do ECI/Consulta de Belo Sun no TRF1 Parecer sobre as violações aos princípios da Consulta Livre Prévia e Informada no caso de Belo Sun.
Em 14 de março de 2022, a Norte Energia protocolou um documento para FUNAI, IBAMA e Semas solicitando a reavaliação do processo de licenciamento ambiental de Belo Sun, a fim de que o tema possa ser objeto de análise técnica detalhada e de imprescindível interlocução entre os interessados diante dos impactos cumulativos e sinérgicos.
Em 26 de abril de 2022, a DPU ajuizou Ação Civil Publica contra o INCRA, a Belo Sun e o Estado do Pará para defender os direitos das populações afetadas pela celebração do Contrato de Concessão de Uso n.º 1.224/2021, firmado entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e a empresa Belo Sun Mining Ltda., em 26 de novembro de 2021. Na ação, é pedida a declaração de nulidade do contrato e a declaração de nulidade da Licença de Instalação n.º 2.712/2017.
Em 25 de abril de 2022, em julgamento do TRF-1 na ACP do MPF que solicita realização de EIA-CI e Consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas, o Tribunal rejeitou todos os recursos apresentados pela empresa Belo Sun e Estado do Pará e manteve a decisão de 2017 que suspendeu a Licença de Instalação em seus termos integrais.
Em 24 de maio de 2022, a justiça estadual de Altamira suspendeu o licenciamento ambiental da mineradora, pela Secretaria de Estado e Meio Ambiente e Sustentabilidade (SEMAS), até que seja realizado estudo socioambiental dos povos ribeirinhos na região próximo do empreendimento Volta Grande, bem como a consulta prévia, livre e informada e o consentimento dos povos ribeirinhos, pelo Estado do Pará, conforme previsto no artigo 6°, da Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A decisão liminar foi dada no âmbito da ação civil pública ajuizada contra a Empresa Belo Sun Mineração Ltda e o Estado do Pará pela Defensoria Pública do Estado do Pará (0801861-11.2020.8.14.0005)
Próximos passos
No julgamento do cumprimento do Componente Indígena dos Estudos de Impacto Ambiental e na consulta prévia, o tribunal decidiu que essa avaliação é de competência da Funai e da SEMAS, e que essas questões de mérito devem ser reclamadas e discutidas em ação à parte.