O Corredor Logístico Tapajós-Xingu é um dos três Corredores Logísticos para escoamento graneleiro brasileiro na região Norte identificados pelo Ministério da Infraestrutura no âmbito do Projeto Corredores Logísticos Estratégicos (CLE): CLE Norte - Eixo Madeira, CLE Norte - Eixo Tocantins e CLE Norte - Eixo Tapajós.
Os esforços para incremento do escoamento das commodities agrícolas produzidas no Centro-Oeste - estado de Mato Grosso, principalmente - pelos portos do chamado “Arco Norte”, localizados acima do paralelo 16º S - Porto Velho/RO, Manaus/Itacoatiara/AM, Santarém/PA, São Luís/Itaqui/MA, Santana/AP, Belém/Barcarena/PA - tem vertido investimentos em infraestrutura em equipamentos logísticos na região Norte desde a década de 1990, com a abertura da rota de escoamento entre BR-364 e rio Madeira até Porto da Amaggi em Itacoatiara/AM, e desde os anos 2000 com a pavimentação da BR-163 e construção do Porto da Cargill em Santarém/PA.
O início do complexo portuário em Miritituba, em Itaituba/PA, em 2014 com a construção da ETC da Bunge, viabilizou uma nova rota de escoamento para as commodities agrícolas de Mato Grosso, por meio da embarcação no rio Tapajós, em Itaituba/PA, e posteriormente no rio Amazonas, em direção ao porto de Barcarena/PA e Santana/AP. Desde então, a rota pelo Tapajós despontou em importância e preferência pelas tradings graneleiras e transportadoras, que se articularam em consórcio para manifestar o interesse na construção de uma ferrovia que conecte a produção em Mato Grosso e o complexo portuário em Itaituba/PA, a Ferrogrão (EF-170).
De acordo com o Diagnóstico Logístico do Observatório Nacional de Transporte e Logística (ONTL), em 2020, as rotas de escoamento pelos portos do Arco Norte responderam por 33,2% das exportações de soja e milho brasileiros e o volume de exportações por essas rotas tem crescido a uma taxa média de 19,9% ao ano, desde 2010. Com a inauguração da rota pelo Tapajós, o Pará despontou como segundo estado com maior volume de transporte de commodities agrícolas na navegação interior no Brasil.
Os dados da SECEX/COMEXSTAT compilados pelo IMEA demonstram a centralidade da nova rota de escoamento pela hidrovia do Tapajós para o escoamento das exportações de soja do estado de Mato Grosso: em 2013 (jan-dez), o Terminal Graneleiro de Santarém correspondia a 5.37% das exportações de soja do estado, ao passo que o Terminal Graneleiro de Barcarena ainda não havia sido instalado, (0% das exportações de soja de MT); entre janeiro de 2020 e agosto de 2021, o Terminal em Santarém respondeu por 10,81% das exportações de soja de MT, e o Terminal de Barcarena a 28,16%.
O Corredor Logístico de Exportação do Interflúvio Tapajós-Xingu opera por meio da rodovia BR-163/MT/PA, pela hidrovia do baixo Tapajós, pelo complexo de Estações de Transbordo de Carga (ETCs) de Miritituba, em Itaituba/PA, e Santarenzinho, em Rurópolis/PA e pelo porto de Santarém/PA, adicionalmente constituído da malha viária secundária de rodovias estaduais, como a MT-322, que interconectam os pólos produtores no centro-norte do Mato Grosso ao seu eixo principal.
Histórico e Passivo Socioambiental
Pode-se considerar que o Corredor Logístico Tapajós-Xingu para escoamento graneleiro tem seu início nos anos 2000, com a instalação do porto da Cargill em Santarém/PA, em 2000, e a retomada da pavimentação da BR-163 no Pará a partir de 2003.
O porto da Cargill em Santarém/PA gerou impactos no Sítio Arqueológico Porto, local sagrado indígena que guarda vestígios de ocupação de pelo menos 12 mil anos. Saiba mais sobre os impactos provocados pelo Porto da Cargill em Santarém sobre os povos indígenas.
Apesar da formulação do Plano BR-163 Sustentável, sua implementação não foi totalmente concretizada, e a região do interflúvio Tapajós-Xingu sofreu com a retomada da pavimentação da rodovia, que causou a intensificação de conflitos fundiários interligados ao latifúndio, à expansão do agronegócio, ao aumento da grilagem, do
desmatamento e do crime organizado da madeira. Entre os anos de 2000 a 2020, o total desmatado na zona de influência delimitada por um raio de 100 km ao longo da BR-163 já acumulou 104.503,78 km² segundo dados oficiais do sistema PRODES/INPE. Em 2019, as queimadas coordenadas do "Dia do Fogo” concentraram-se nos municípios sob influência da BR-163 no Pará. Em 2020, 62% das áreas de florestas públicas não destinadas no entorno da rodovia apresentavam registro no CAR.
Em 2014 foram instaladas as primeiras Estações de Transbordo de Carga (ETCs) em Miritituba, inaugurando-se uma nova rota para escoamento de commodities agrícolas pelos portos do Arco Norte por meio da navegação permanente no baixo rio Tapajós. A nova rota tem pressionado o uso e instalação de novos projetos de investimento do Corredor Logístico Tapajós-Xingu.
A proliferação de equipamentos logísticos em Miritituba e nas margens do rio Tapajós têm gerado mudanças profundas nos territórios das populações que moram na beira do rio. Além do aumento de conflitos fundiários, o uso praticamente exclusivo do rio para navegação das commodities vem impossibilitando o modo de vida tradicional indígena e ribeirinho, conforme denunciado pelos Munduruku do médio Tapajós.
Com a nova rota, o uso mais intenso da BR-163 tem gerado impactos mais severos também sobre os territórios indígenas TI Baú, TI Menkragnotire e TI Panará, na bacia do Xingu. Entre 2014 e 2019, a conversão do uso do solo para plantio de soja nos municípios ao longo da BR-163 praticamente quadruplicou, e o crescimento da área de soja passou de 40 hectares, no ano 2000, para mais de 40 mil hectares, em 2019.
Em 2020, Kayapó da TI Baú e Menkragnotire interditaram a rodovia para protestar contra declarações da FUNAI e do DNIT de que os impactos sobre as terras indígenas estaria diminuindo com o tempo. Tanto para os Kayapó quanto para os Panará, os impactos da operação da rodovia sobre seus territórios tem aumentado. Em julho de 2021, o trecho entre Sinop/MT e Itaituba/PA da BR-163 foi concessionado ao consórcio Via Brasil, que passou a ser o responsável pelo processo de licenciamento ambiental da rodovia, incluída a execução do Componente Indígena do PBA, condicionante da Licença Ambiental de Instalação. A interrupção da execução do PBA-CI da BR-163 é objeto de Ação Civil Pública do MPF em conjunto do Instituto Kabu e da Associação Iakiô.
Com o projeto da Ferrogrão (EF-170), o Corredor Logístico Tapajós-Xingu ganhará ainda maior protagonismo no escoamento de carga agrícola do estado de Mato Grosso, como demonstram as projeções de carregamento de Granel Sólido Agrícola (GSA) nos cenários com a implantação da Ferrogrão e demais empreendimentos do Plano Nacional de Logística 2035 (versão preliminar de março de 2021). As projeções do PNL 2035 apontam para que a Ferrogrão capture GSA que era escoada pelo rio Madeira (Corredor Norte - Madeira), pela BR-163, pela ferrovia Rumo Malha Norte (Corredor Sudeste - Santos) e pela BR-158 (Corredor Norte - Tocantins), colocando o Corredor Logístico Tapajós-Xingu como principal complexo de escoamento de GSA (valor/tonelada/veículos) pelo Norte e, junto da FIOL e da FICO, principais rotas de escoamento de GSA do Brasil.
O efeito da inclusão da Ferrogrão nos carregamentos de GSA na hidrovia do Tapajós e nas rodovias secundárias, como a MT-322, também são resultados presentes no PNL 2035. O Plano aponta para a importância das rodovias estaduais na capilarização da entrega e distribuição associada ao crescimento do modo ferroviário devido ao "fenômeno da última milha": "A título de exemplo, podemos citar a MT-322, que faz parte do Corredor Estratégico de Análise, que funciona como canal de ligação do nordeste do Mato Grosso com as infraestruturas da Ferrogrão a oeste e da FNS/TC a leste"; também para importância dos estudos acerca dos pontos de transbordo portuários para consolidação das estruturas capilares de apoio e carregamento de "Corredores de Grande Volume".
Considerando as Projeções do Agronegócio 2020/21 a 2030/31 do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), o crescimento projetado para soja entre as safras de 2020/21 a 2030/31 é de 33,2% de crescimento em volume (35,947 milhões-ton para 47,292 milhões-ton) e 29,4% de área plantada, equivalente à inclusão de 3,3 milhões de hectares (10,3 milhões de hectares para 13,3 milhões de hectares); e para milho aumento de 38,6% do volume produzido.
As projeções mostram que a priorização do governo pelo Corredor Logístico Tapajós-Xingu como complexo logístico para exportação de GSA é uma decisão estratégica que incorrerá em uma ampliação das operações e das obras associadas ao Corredor Logístico em uma região de grande sociobiodiversidade e fundamental para a conectividade da floresta Amazônica, interflúvio das bacias hidrográficas do Tapajós e do Xingu.
Impactos Socioambientais
Os impactos do Corredor Logístico são resultado da cumulatividade entre os impactos diretos e indiretos gerados pelos empreendimentos que o compõem, e também da sinergia: combinação entre os impactos que potencializam as consequências sobre o meio ambiente e social. Isso ocorre devido à complementariedade logística-econômica entre os empreendimentos, que resultam em uma unidade de análise autossuficiente na provisão do serviço de escoamento para exportação de GSA pelo rio Tapajós.
A seguir mencionamos alguns desses impactos, identificados tanto de forma oficial (EIA/RIMA) quanto independente:
Porto de Santarém: estudo Cargill e violações de direitos no Tapajós menciona impactos na i) pesca artesanal: perda da área de pesca, invasão de espécies exóticas e diminuição da variedade de peixes; ii) erosão "terras caídas"; iii) agricultura familiar: conflitos fundiários, queda na produção; iv) agrotóxicos, v) desmatamento, vi) ataque a defensoras de direitos humanos
ETCs no Tapajós: Identificados no EIA: i) restrição do uso da água em função da movimentação das barcaças; ii) tráfego de veículos pesados; iii) alterações na comunidade aquática; iv) contratação de mão de obra; v) atração e proliferação de espécies praga e vetores de doença.
BR-163: Para a fase de operação da rodovia, os impactos negativos identificados pelo Instituto Iakiô do povo Panará em 2021 são: i) aumento do desmatamento e entorno e no interior da TI; ii) aumento e surgimento de garimpos ilegais; iii) diminuição de peixes e outros recursos naturais; iv) insegurança hídrica e alimentar; v) aumento de queimadas; vi) interferências culturais; vii) mudanças no uso e ocupação do solo no entorno; viii) cooptação de lideranças; ix) aumento de tensão e conflitos; x) aumento do tráfego e de acidentes e risco de morte para usuários da BR, incluindo indígenas; xi) surgimento de novas estradas e vicinais; xii) surgimento de novos empreendimentos. São identificados como impactos positivos i) melhoria de acesso para as aldeias e ii) facilidade de escoamento de produtos
MT-322: A rodovia opera sem licença ambiental. Os Kayapó da T.I Capoto Jarina apontam como impactos da rodovia o atropelamento de fauna, desmatamento e pressões antrópicas.
Ferrogrão: Os Estudos de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) ainda não foram analisados pelo Ibama. Porém, estudos independentes indicam que a ferrovia irá gerar ao menos duas classes de impactos socioambientais de escala regional em Mato Grosso: impactos indiretos causados pela indução a mudanças no uso da terra, como a
conversão de áreas de floresta para produção agrícola, provocada pela redução do custo de transporte, e os impactos sinérgicos e cumulativos gerados capacidade de atração de carregamentos para si, induzindo aumento da atividade em estradas alimentadoras pelo efeito da "última milha".
Já no Pará, a previsão é de que haja aumento da ocupação e das pressões antrópicas associadas - atividades predatórias, mudanças no uso do solo, especulação fundiária e aumento da grilagem; demanda por aparelhos públicos, etc - durante os nove anos de construção da ferrovia, além dos impactos sinérgicos e cumulativos no complexo logístico no rio Tapajós, como por exemplo com a construção do ramal em Itapacurá, região onde ainda não existem instalações de navegação.
Hidrovia do Tapajós: Em 23 de setembro de 2024 o Ministério Público Federal (MPF) recomendou a suspensão imediata do licenciamento ambiental da Hidrovia Tapajós (reportagem). Segundo o MPF a principal irregularidade identificada foi a ausência da consulta prévia aos povos indígenas e comunidades tradicionais potencialmente atingidos.
Próximos passos
Em março de 2020, delegação da Rede Xingu+ composta por representantes de diversos territórios indígenas da bacia do Xingu reuniu-se em Brasília para demandar o cumprimento do direito de Consulta sobre o Corredor Logístico de Exportação no Interflúvio Tapajós-Xingu. Na ocasião, a então secretária de apoio ao licenciamento ambiental e Desapropriação do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Rose Hofmann, afirmou que já entrou em contato com o Ministério de Desenvolvimento Regional, na perspectiva de iniciar um debate mais amplo sobre a região. “É hora de colocar outros atores do governo no debate, em um passo antes do Licenciamento Ambiental ou paralelo a ele. Temos que reconhecer que isso é novo para todos, nunca debatemos de forma ampla com os povos indígenas como ordenar o território. Me disponibilizo a fazer essa articulação”.
A ausência de um planejamento público, transparente, integrado e participativo sobre o desenvolvimento territorial na região está determinando um futuro incerto para os povos que vivem no interflúvio Tapajós-Xingu, agravado pelo descumprimento do direito de Consulta Livre, Prévia e Informada pelo governo.